Iniciamos na segunda semana de julho/2020 a Série AARS Depoimentos: Arquivos na pandemia. Hoje publicamos o trigésimo quarto depoimento.
O associado Augusto César Luiz Britto relata o impacto da pandemia da Covid-19 no seu trabalho arquivístico.
Os depoimentos são publicados às quintas-feiras no site da AARS.
Augusto César Luiz Britto
Professor UFSM
Santa Maria, RS.
Associado n. 322 da AARS
O ano de 2019 foi de grande expectativa para mim, pois existia a possibilidade de eu ser nomeado como docente do Curso de Arquivologia na Universidade Federal de Santa Maria – UFSM e, desta forma, retornar para o meu Estado natal. No mês de abril daquele ano a nomeação foi concretizada e, consequentemente, oportunizaram-se novas experiências de cunho profissional e pessoal. Após ter vivido nove anos no norte do país (Manaus/AM e Belém/PA) a empolgação estava elevada, pois além da docência em si, eu iria poder me dedicar de forma mais efetiva a pesquisa e contribuir socialmente com projetos de extensão. Até o início da pandemia algumas ações que eu tinha em mente, antes mesmo da minha nomeação, já estavam sendo implantadas. A principal ação era o “Programa de arquivos pessoais” cujo objetivo é o de propiciar aos discentes do curso experiências e debates em torno da temática dos arquivos pessoais mediante ações de extensão, pesquisa e ensino. O primeiro projeto de extensão abarcado pelo Programa foi o “Projeto de Arquivos Pessoais da Quarta Colônia de Imigração Italiana”. Este projeto é realizado em conjunto com a Professora Maria Medianeira Padoin do Curso de História e é vinculado ao “Consórcio de Desenvolvimento Sustentável da Quarta Colônia – CONDESUS” a ao projeto “Geoparque Quarta Colônia”. O acervo em que estávamos atuando era o do ex-senador da República Alberto Pasqualini que se encontra custodiado na Prefeitura de Ivorá/RS. A equipe do Projeto se dirigia até o município para realizar as atividades uma vez por semana até o início da pandemia quando as ações extensionistas fora do município de Santa Maria ficaram suspensas pela Universidade. Apenas no mês de agosto é que retornarmos as nossas idas a Ivorá, porém com uma dinâmica que atendesse ao novo cenário o que acarretou no alargamento do cronograma para que atingíssemos os objetivos traçados inicialmente. O projeto está na fase de digitalização do acervo pela equipe da Prefeitura de Ivorá e de descrição pelos discentes do Curso (Bolsa FIEX, voluntários e alunos de disciplinas específicas) que acessam as digitalizações pelo Google Drive em suas residências. Em janeiro de 2020 fui contatado pela família Saldanha de Caçapava do Sul para contribuir com o projeto de criação do “Centro de Memória Alcides Saldanha” no município. A felicidade de poder estar inserido num projeto que irá fomentar cultura, memória e identidade a sociedade e pesquisas acadêmicas na minha cidade natal me impulsionou a compenetrar meus esforços para a aprovação e execução do mesmo. Porém, a animação logo teve que ser contida devido à pandemia. As ações só tiveram permissão de serem realizadas na Universidade em agosto e para tal precisamos nos adaptar aos protocolos de biossegurança da UFSM, já que o projeto está sendo realizado em sua maioria no Laboratório de Conservação de Documentos. Novos hábitos foram aos poucos entrando na nossa rotina até serem assimiladas totalmente como, por exemplo, debater as atividades e/ou conteúdo de forma distanciada, além de estar constantemente higienizando as mãos e os materiais os quais foram utilizados. Este projeto é vinculado ao “Projeto Geoparques Caçapava do Sul” e ao “Escritório de Advocacia Alcides Saldanha” e encontra-se na fase de descrição documental e planejamento da difusão do Centro de Memória. Participam do projeto duas alunas bolsistas Geoparque, duas alunas bolsistas Externa, além dos voluntários. O Programa de arquivos pessoais também conta com um projeto de pesquisa denominado “Agendas pessoais enquanto egodocumento: a reflexão intima no acervo da Drª. Gilberta Bensabath”. O objetivo desta pesquisa era analisar a narrativa registrada pela titular das agendas em sua intimidade, ou seja, a imagem de si que ela quis perpetuar, além de contrastar o seu discurso íntimo com a sua imagem pública sob a luz dos conceitos de egodocumentos. As agendas encontram-se na base Memory do Instituto Evandro Chagas – IEC na internet, logo as atividades de análise não forma prejudicadas pela pandemia. O projeto encerrou-se em março de 2021 com a submissão de artigos em revistas científicas e em um capítulo de livro (já aceito pela editora). Os projetos de ensino previsto pelo Programa tiveram que ser encerrados por causa da pandemia, pois eles só poderiam ser realizados nos locais onde se encontravam os acervos e com uma quantidade significativa de alunos. Os projetos cancelados foram o “Práticas de ensino em classificação de documentos: o arquivo pessoal da professora Marisa Oliveira Natividade” e “Práticas de ensino em gestão documental no CCNE”. Acredito que o maior desafio que eu tive foi quanto à docência, pois exigiu de mim a busca por cursos de como empregar ferramentas digitais de ensino. Um dos cursos mais importante que eu fiz foi o de como produzir e editar vídeos para as minhas aulas. Devo agradecer a contribuição do aluno monitor ao facilitar a produção das minhas e de ter sido um canal de comunicação com os alunos das minhas disciplinas. O Google Meet propicia o contato com os discentes nas aulas e/ou em reuniões dos projetos, porém não substitui os elementos que só a presencialidade proporciona. A interação em aula, por exemplo, foi drasticamente prejudicada e, como resultado, a aprendizagem dos discentes não corresponde a sua potencialidade. Percebo a dificuldade que é ser aluno em casa e sem nenhum contato com o mundo exterior ao participar como aluno especial de disciplinas do Curso de Doutorado em História da UFSM. As preocupações caseiras se entrelaçam com as demais atividades por estarem no mesmo vórtice de espaço e tempo o que antes não ocorria com tanta intensidade. A ansiedade neste período pandêmico se fez manifestar em mim, pois aumentou a necessidade de saber o que está acontecendo no país, a preocupação com o Eduardo, meu esposo, que como enfermeiro atua na linha de frente no hospital e o medo de receber notícias negativas de familiares, amigos, colegas e alunos. Sentimento este que precisei compreender para que o mesmo não me sufocasse. O lado positivo do período que estamos vivendo que eu percebo é a valorização dos espaços e momentos de convívio que tínhamos e a ampliação de possibilidades de troca de experiências que as ferramentas digitais nos proporcionam. A leitura aumentou consideravelmente neste ano, porém é o debate cotidiano destas leituras com os alunos que mais senti a ausência. É na troca de ideias e de experiências que eu mais aprendo e posso de alguma forma contribuir com eles Não poderia terminar o meu relato sem mencionar a fama que a “Evita”, a minha gata, adquiriu neste primeiro ano de pandemia. Os vídeos que eu produzi, as aulas síncronas e as reuniões tiveram a presença dela o que a tornou de conhecimento e admiração de todos. Não posso esquecer o dia em que ela pisou na tecla de liga e desliga do meu notebook desligando-o durante uma reunião Departamental. A Evita está sendo indispensável para que eu percorra o período pandêmico de maneira menos traumatizante. O nosso retorno a Universidade diariamente e de forma presencial deverá ser comemorado e valorizado devido à importância que aquele espaço nos proporciona não apenas academicamente, mas em todas as camadas arqueológicas de nossa existência.