Iniciamos na segunda semana de julho a Série AARS Depoimentos: Arquivos na pandemia. Hoje publicamos o segundo depoimento.
A associada Tauani Bisonin Ramos relata o impacto da pandemia da Covid-19 no seu trabalho arquivístico.
Os depoimentos são publicados às quintas-feiras no site da AARS.
Tauani Bisognin Ramos
Arquivista no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Rio Grande
Rio Grande, Rio Grande do Sul
Associada n. 467 da AARS
1. Qual o seu local de trabalho como arquivista?
Sou Arquivista no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Rio Grande – RS.2. Quais atividades desenvolvia antes da pandemia?
As minhas atividades são a gestão e a preservação dos documentos das atividades meio e fim do Cartório de Registro de Imóveis.
Este órgão tem por finalidade registrar os títulos de propriedade, de cunhos público e privado, oferecendo oponibilidade a terceiros através do princípio de publicidade dos atos, de modo a garantir a eficácia, o controle, a segurança e a autenticidade dos negócios jurídicos envolvendo imóveis. Assim, são conferidos a estes negócios a presunção relativa da prova das propriedades imobiliárias pertencentes à comarca sede.
O Setor de Arquivo, onde atuo, recebe todos os documentos que dão origem aos atos de registro de imóveis, bem como os expedientes do Poder Judiciário (solicitações para instrução de ações judiciais). Os documentos administrativos e de pessoal também são encaminhados ao Setor.
Os documentos da atividade fim produzidos pelo Cartório são denominados extrajudiciais, sendo elaborados segundo as formalidades legais e devem ser preservados ad perpetuam. Ou seja, são documentos que já nascem sob a presunção de guarda permanente, segundo a legislação que regulamenta a prática registral de imóveis no Brasil.
Segundo a Consolidação Normativa Notarial e Registral, o titular do serviço, ou seja, o Registrador, deve manter em segurança os livros e documentos, respondendo pela sua ordem e conservação. Diante disso, é evidente a necessidade de garantir a integridade das informações contidas nestes documentos, bem como seu adequado tratamento com vistas à preservação e ao acesso, sendo este o papel principal do arquivista da instituição.
Atualmente o acervo do Cartório é composto por 193 livros de registros, e aproximadamente 90 mil matrículas registradas em documentos avulsos, e seus documentos anexos perfazem um total de 717 caixas-arquivo, além de outras 130 pastas com processos de loteamento e 316 pastas com processos de incorporação imobiliária. Não resta dúvidas quanto a magnitude do acervo e a relevância dessas informações para a população riograndina no que tange ao registro das propriedades do município.
Logo, as minhas atividades visam a organização e controle deste acervo, desde a produção dos documentos, seu fluxo diante das atividades do órgão, bem como do local de armazenamento.3. A pandemia mudou a sua rotina de trabalho? Se sim, conte-nos o que mudou.
Sim, a pandemia criou uma nova rotina de trabalho, bem como de cuidado com os documentos recebidos e expedidos, sendo imperativa a elaboração de protocolos específicos visando a segurança de todos que têm contato com o acervo.
Em relação às mudanças gerais no funcionamento do Cartório, inicialmente o Provimento nº 09/2020 da Corregedora-Geral da Justiça do Estado do Rio Grande do Sul determinou o fechamento dos Serviços Notariais e Registrais temporariamente, em razão da propagação do novo coronavírus (COVID-19), durante o período de 20 de março a 31 de março de 2020. Esse período foi importante para começarmos a organizar os trabalhos em home-office, exercidos através da Central de Registro Imóveis (CRI-RS), uma plataforma online que visa integrar os serviços prestados por todos os 228 Cartórios de Registro de Imóveis do Estado.
Contudo, após este período, a Corregedoria efetuou um mapeamento da situação da pandemia e autorizou a reabertura das serventias para prestação de serviços presenciais com a redução ao mínimo necessário de pessoal, dando prioridade ao trabalho remoto.
Neste cenário, o Cartório passou a operar com 50% dos colaboradores trabalhando em cada turno, e com redução do horário de atendimento presencial. Além deste modelo de funcionamento adotado e dos cuidados de distanciamento, é obrigatório o uso de máscara de proteção e luvas para todos os colaboradores e usuários em atendimento. Também é realizada a higienização dos ambientes de hora em hora e disponibilizado álcool em gel aos funcionários e ao público, sendo que a este último é permitida a entrada regulada para evitar aglomerações nos espaços internos.
Quanto aos documentos entregues pelos usuários presencialmente, e também aos que são produzidos no dia-a-dia durante as atividades do Cartório, obviamente há a preocupação com a iminência da presença do vírus, embora não se saiba ao certo o tempo que o mesmo é capaz de sobreviver em materiais como o papel. Assim, por estar diretamente em contato com estes documentos, procuro buscar constantemente informações acerca desta questão, tendo encontrado alguns estudos como o que aponta que os coronavírus, de modo geral, podem sobreviver nas superfícies entre 2 horas a 9 dias, e em papel, especificamente, por até 5 dias (Kampf G,. Todt D., Pfaender S., Steinmann E. Persistence of coronaviruses on inanimate surfaces and their inactivation with biocidal agents. J. Hosp. Infect. 2020 Feb; 104:246-51. Doi 10.1016/j.jhin.2020.01.022). Segundo este estudo, a permanência do vírus pode variar conforme diferentes condições, como a temperatura, umidade do ambiente e sua cepa específica.
Com base nestas informações coletadas, adotamos como protocolo de segurança o isolamento de todos os documentos, recebidos ou produzidos, por um prazo de 6 dias. Apesar de dilatar os prazos para a conclusão dos serviços, esta prática tem como objetivo preservar a saúde de todos que tenham que manipular esta documentação, evitando a potencial exposição à presença do vírus nas superfícies destes documentos.4. Depois que a pandemia passar, como será a volta ao trabalho? Que rotinas pretende retomar e quais manterá?
Embora, em um primeiro momento possa se projetar uma retomada de atividades dentro da normalidade já conhecida, ao analisar a realidade atual, penso de que o retorno poderá trazer novos desafios devido a mudanças de paradigma ocorridas durante a pandemia, sobretudo relacionadas aos contextos tecnológicos.
Diante de todas as implementações digitais que se fizeram necessárias para cobrir a prestação de serviços de maneira remota, e as rotinas de home-office experimentadas durante este período, é possível constatar que o uso de aplicações digitais como a CRI-RS contribuem para a amplificação do acesso aos serviços cartoriais e reduzem a burocracia.
Assim, mediante a conscientização da sociedade para que seja feito melhor uso destes sistemas, poderemos ter uma significativa melhoria na celeridade dos serviços cartoriais, o que resultará também em um aumento ainda mais expressivo da produção de documentos digitais. Avalio que o uso destas plataformas poderá passar a fazer parte ainda mais da rotina do cidadão nesta nova realidade e, enquanto arquivista, minha preocupação será voltada para que a gestão, a preservação e o acesso aos documentos nativos destes sistemas informatizados cumpram sempre os requisitos arquivísticos. Este já é um desafio atual, mas que poderá ser ainda maior no fazer arquivístico pós-pandemia.