Procurei desenvolver alguns questionamentos sobre o estudo da Diplomática no Brasil com o intuito de fomentar e nortear uma pesquisa futura, mais aprofundada e concreta. Este estudo surge como necessidade a partir dos questionamentos realizados no decorrer da disciplina de Diplomática no curso de Arquivologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no ano de 2019. Para o desenvolvimento foi necessário apresentar um panorama sobre a presença da disciplina de Diplomática no currículo dos cursos de Arquivologia do país e também uma pesquisa quantitativa sobre as produções encontradas sobre o tema nas principais revistas e plataformas de publicações, com foco nos arquivos, no período de seis anos, entre 2014 e 2020. Por fim, apresento os resultados e alguns questionamentos e problematizações que possam servir de prelúdio à outras pesquisas no assunto.
Em um primeiro momento, cabe fazer um resgate muito breve sobre a Diplomática na Arquivologia. A Diplomática surge, como ciência, no século XVII, com o estudo da veracidade ou falsidade de diplomas medievais. O estudo se intensifica com a publicação de Jean Mabillon, De Re Diplomatica, passando a servir não só ao direito eclesiástico, mas também a outras áreas como História e Arquivística (BELLOTTO, 1991). Além dessa publicação, a Acta Santorum (1637) também faz parte da relação da diplomática na história da arquivologia (COUGO JUNIOR, 2019). Ao longo do tempo, a Diplomática “tem evoluído em direção ao Direito, à Heurística e à Arquivística, modificando para tanto seus instrumentos e apresentando maior aplicação de objeto e campo de ação do que em sua origem.” (BELLOTTO, 2002, p. 16). Justifica-se, assim, a ampla aplicabilidade da Diplomática como estudo na Arquivologia.
Como definição, a Diplomática “é a disciplina que tem como objetivo o estudo da estrutura formal e da autenticidade dos documentos (ARQUIVO NACIONAL, 2005, p. 70). Esta definição é escolhida não como sendo a melhor, mas pela importância (ao julgamento do autor) da publicação citada para a Arquivologia no país, sem desmerecer a discussão sobre a definição de outros autores, mas considerando que não é o foco principal desta produção. Retornando à definição, é notório a importância da disciplina nos debates da Arquivologia, visto que, cada vez mais é necessário a discussão sobre autenticidade com o avanço das novas tecnologias, principalmente no tratamento dos documentos digitais.
Frente ao apresentado e seguindo os objetivos, neste momento, como primeira parte da análise, apresento um panorama geral sobre a presença da disciplina de Diplomática no currículo dos cursos de Arquivologia oferecidos em instituições públicas do país. Esta pesquisa foi realizada utilizando os sítios de cada instituição como principal fonte de informação, totalizando 16 universidades e 17 cursos (incluindo diurno e noturno). A prioridade da pesquisa foi sobre as informações: nome da disciplina, carga horária e semestre ofertado presentes no currículo disponível, na maioria, em vigor. A busca foi realizada pelo termo “diplomática” no nome da disciplina.
Como resultado quantitativo desta primeira analise, apresento os seguintes números: 6 cursos com a uma disciplina de “Diplomática”; 2 cursos com duas disciplinas sequenciais de “Diplomática I/A” e “Diplomática II/B”; 2 cursos com a disciplina de “Diplomática e tipologia documental”; 2 cursos com a disciplina de “Paleografia e Diplomática I”; 2 curso com a disciplina de “Diplomática Contemporânea”; 2 cursos sem oferta da disciplina; 1 curso com a disciplina de “Introdução à Diplomática” e 1 curso com a disciplina de “Diplomática Clássica e Paleografia”. Os resultados para a carga horária da disciplina apresenta-se da seguinte forma: 2 disciplinas com 68 horas; 12 disciplinas com 60 horas; 1 disciplina com 36 horas e 3 disciplinas com 30 horas. Na última informação sobre o semestre ofertado: 1 disciplina ofertada no 1º semestre; 4 disciplinas ofertadas no 2º semestre; 3 disciplinas ofertadas no 3º semestre; 5 disciplinas ofertadas no 4º semestre; 2 disciplinas ofertadas no 5º semestre e 3 disciplinas ofertadas no 6º semestre.
Na segunda parte da análise para este escrito, foi realizado uma pesquisa quantitativa sobre produções científicas publicadas nos últimos seis anos (2014 a 2020). Foram utilizadas duas plataformas de artigos científicos: Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). A escolha dessas duas plataformas foi motivada pelo conhecimento do autor e por ser uma internacional e outra nacional, mesmo que a pesquisa tenha acontecido só em publicações em português. Também foi escolhido duas revistas da área: Revista Ágora e Revista Acervo, ambas por serem publicações específicas da área de arquivologia. Para esta pesquisa, considerou-se também os assuntos relacionados com tipologia documental na contagem, visto que é o objeto da Diplomática Contemporânea.
Na análise das duas plataformas de artigos foi necessário, além de considerar as palavras chaves, ler o resumo da publicação, já que a alguns assuntos não se tratavam especificamente sobre Diplomática, mas sim tratavam-na como subsídio de pesquisa ou exploração de outro tema. Utilizou-se os seguintes termos para pesquisa: “diplomática” e “arquivologia”; “diplomática” e “arquivística” e “diplomática” e “arquivo”. É importante salientar que a repetição da mesma produção em diferentes termos de pesquisa foi desconsiderado da contagem, já que, caso contrário, não seria um número real de pesquisas encontradas. Na plataforma SciELO foi encontrado apenas um artigo, já na plataforma BDTD foram encontrados 12 artigos.
Na analise das duas revistas, a busca foi realizada pela presença do termo “diplomática” nos títulos dos artigos. Considerando o período temporal indicado, foram analisados 19 edições da Revista Acervo e 10 edições da Revista Ágora. Entre as duas publicações foi encontrado apenas um artigo com a temática da diplomática documental.
Na observação dos resultados da primeira análise (currículo dos cursos), nota-se que há uma presença da disciplina de Diplomática em 15 dos 17 cursos de Arquivologia, com, na maioria, uma carga horária alta (em comparação com outras disciplinas) e oferta em diferentes semestres. No cruzamento dos dados, dois cursos chegam a ofertar 120 horas da disciplina de Diplomática. Já em outros dois cursos há apenas uma disciplina com carga de 30 e 36 horas. Esta análise é importante considerando que o debate específico sobre o assunto, o que pode gerar novas produções acadêmicas, acontece em diferentes semestre, ainda que com cargas horárias diferentes.
Ao confrontarmos as duas etapas da análise, no geral, há uma boa oferta da disciplina de diplomática nos cursos de formação do profissional arquivista. Mas ao buscarmos por produções científicas sobre diplomática, nos deparamos com uma realidade não tão agradável. A produção científica é muito baixa, isso fica claro ao observamos as duas revistas relevantes na área da arquivologia. Nos últimos seis anos, apenas um artigo abordar de forma explicita a diplomática pode servir como um alerta para intensificar as pesquisas, novos estudos e mais produções que venham somar como aporte teórico para a prática de arquivologia, visto que esta temática tem se mostrado necessária principalmente no trato com a documentação digital, com visível expansão.
A produção científica sobre Diplomática pode ser motivada no início dos cursos de graduação, já que estão presente a partir do segundo semestre em algumas universidades. A questão é saber os motivos de não acontecer, o que nos leva aos questionamentos. As produções de embasamento para o desenvolvimento das disciplinas são suficientes? Visto que não há números expressivos de novas publicações nos últimos seis anos, estamos, como foi usado na citação da Bellotto no inicio desta produção, modificando nossos instrumentos em vista de um melhor aproveitamento da disciplina de Diplomática? Há alternativas didáticas e metodológicas para contornar este quadro? Há inúmeros questionamentos possíveis sobre o estudo da Diplomática, não só nos cursos de Arquivologia, mas também nas instituições arquivísticas, pelos egressos e arquivistas que exercem a profissão.
Para encerrar, esta produção procurou problematizar o estudo da Diplomática através da comparação entre o ensino nas universidades públicas frente a quantidade de publicações na área. Não há, independente do resultado e questionamentos apresentados, intenção de minorizar a discussão, mas sim intensificar e nortear novas publicações que busquem qualificar o debate sobre Diplomática, facilitando o ensino nas universidades e também a criação de novos enlaces da Diplomática com assuntos correlatos.
REFERÊNCIAS
ARQUIVO NACIONAL. Dicionário brasileiro de terminologia arquivística. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional. 2005.
BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Arquivos Permanentes: tratamento documental. São Paulo: T. A. Queiroz, 1991.
__________. Como fazer análise diplomática e análise tipológica de documento de arquivo. São Paulo: Arquivo do Estado e Imprensa Oficial do Estado. 2002.
COUGO JUNIOR, Francisco Alcides. Os arquivos da Arquivologia: fontes para uma história do pensamento arquivístico. In: PEDRAZZI, Fernanda Kieling; CONSTANTE, Sonia Elizabete (org). Caderno de Arquivologia 5. 1ed. Santa Maria: FACOS-UFSM, 2019.
APÊNDICE
Texto: Marcos Machado Paulo
Dados atualizados em julho/2020
Orientação: Prof. Sérgio Renato Lampert (UFSM)